Mãos de Ouro

Atrapalhado na torrente da aflição

Escuta o escuro veredicto

Faz as contas e mede a situação

Fecha-se o peito interdito

 

Vai lançado em maré de azar

Escorre a margem pelos dedos

Olhos longos afundam-se no mar

Enquanto arde o arvoredo

 

E reza, reza, morde o presente envenenado

Reza, marujo bem aventurado

 

Embalado na cadência do clarão

Martela o seu remo dourado

Vai balouçando na ondulação

Tem o seu canto ensaiado

 

Domina os ritmos os poemas e os abismos

Os pontos cegos da navegação

Conhece os frutos as flores e os bichos

Salva-se o canto enquanto arde a embarcação

 

E reza, reza, morde o presente envenenado

Reza, marujo bem aventurado

 

Estende a mão à minha que se estende

E deixa o barco afundar

Segura o sonho doce e inocente

Nas veias a naufragar

 

Inventa preces sem obedecer

Vai em invernos condenado

Mergulha a noite sem amanhecer

Em trabalhos vai forçado

 

Cai no novelo, nas raízes do remoinho

Cai o menino da sua salvação

Vai emaranhado nas redes do torvelinho

No sangue turvo do seu coração

Reza, reza, morde o presente envenenado

Reza, marujo bem aventurado